quinta-feira, 24 de maio de 2012

Gata Borralheira (SMB)

"História da Gata Borralheira", de Sophia de Mello Breyner (SMB)
 texto completo

Tempestade

Nota: Insere-se nos Planos da Viagem e Mitológico, é um episódio naturalista, porque se trata de um fenómeno da Natureza.
A descrição da tempestade poderá ser dividida em três momentos:

1º momento (est.70 à 84): Camões terá aproveitado a sua própria experiência de viajante e naufragou para descrever de uma forma bastante realista a tempestade. Na impossibilidade de fazer o que quer que fosse Vasco da Gama pede ajuda a Deus.

2º momento (est. 85 à 91): Vénus desce ao mar e manda as Ninfas embelezarem-se. Estas, seduzindo os ventos, conseguiram acalmar a tempestade.

3º momento (est. 92/93): Quando a tempestade termina, os portugueses avistam a Índia. Vasco da Gama, de joelhos, agradece a Deus a ajuda prestada.


Principais argumentos utilizados por Vasco da Gama na sua suplica a Deus:
- A omnipotência divina (Deus já ajudara outros povos em dificuldades)
- Os portugueses estão ao serviço de Deus (vão espalhar a fé cristã por terras desconhecidas)
- É preferível uma morte heróica e conhecida em África a combater, do que uma morte devido a um naufrágio anónimo, sem honras, nem vitórias.
- Os sinais que alertam a proximidade da tempestade são o vento e a nuvem negra.
- O mestre manda amainar, ou seja, tomar ou carregar as velas mais altas, atirar tudo ao mar e dar à bomba.
- Os verbos utilizados para transmitir as ordens são: “amaina” e “alija”
- O responsável pela tempestade foi Baco, que não queria que os portugueses chegassem à Índia.
- A tempestade provocou efeitos terríveis, ela fez com que as naus ficassem muito estragadas, o que provocou uma grande aflição aos portugueses. Elementos textuais que podem ilustrar esta afirmação são: “Quebrando leva o mastro pelo meio,/Quase toda alagada; A gente chama/ Aquele que a salvar o mundo veio.”
- As expressões que traduzem a violência da tempestade são: “Mostra a possante nau, que move espanto.” e “Vendo que se sustém nas ondas”.
- Os versos que traduzem o estado de espírito de Vasco da Gama são: “Ora com nova fúria do céu subia” e “Confuso de temor, da vida incerto”.
- O pedido de Vasco da Gama não foi atendido. A tempestade não acalmou.
- A responsável pelo fim da tempestade foi Vénus.
- Expressões que comprovam a bonança da tempestade são: “E logo à linda Vénus se entregavam/ Amansadas as iras e os furores/ De lhe serem leais esta viagem”
Figuras de estilo
Estrofe
Nome da figura de Estilo
Exemplo
75
Perífrase
“Aquele que a salvar o mundo veio”
71
Anáfora
“Em pedaços a fazem cum ruído/ Que o Mundo pareceu ser destruído”
84
Comparação
“… os ventos, que lutavam/ como touros indómitos”
81
Apóstrofe
“Divina Guarda, angélica, celeste”
78
Antonomásia
“O grão ferreiro sórdio que obrou”
84
Personificação
“…os ventos, que lutavam/..bramando…/Pela exárcia, assoviano.”
72
Anáfora
“Alija (disse o mestre rijamente),/ Alija tudo ao mar”
86
Hipérbole
“Estas obras de Baco são, por certo,”
81
Dupla Adjectivação
“…o segundo/Povoador do alagado e vácuo mundo”
71
Dupla Adjectivação
“Quanto se dá a grande súbita procela”

o Adamastor

Cinco dias depois da aventura de Veloso, numa noite em que sopravam ventos prósperos, uma nuvem imensa, que os ares escurecia, apareceu de súbito sobre as cabeças dos marinheiros. Tão temerosa e carregada vinha que os seus valentes corações se encheram de pavor. O mar bramia ao longe, como se batesse nalgum distante rochedo. Tudo infundia pavor.
Erguendo a voz ao céu, Vasco da Gama suplicou piedade a Deus. Mal acabava de rezar, um figura surgiu no ar, robusta, fortíssima, gigantesca, de rosto pálido e zangado, de barba suja, de olhos encovados e numa atitude feroz. Num tom de voz grosso, começou a falar-lhes.
Arrepiaram-se todos, só de ouvir e ver tão monstruosa criatura. Disse então o gigante, voltando-se para eles:
- Ó gente ousada, já que vindes devassar os meus segredos escondidos, que nenhum humano deveria conhecer, ouvi agora os danos que prevejo para vós, para a vossa raça, que subjugará, no entanto, ainda todo o largo mar e toda a imensa terra. Ficai sabendo que todas as naus que fizerem esta viagem encontrarão as maiores dificuldades nestes meus domínios. Punirei a primeira armada que vier aqui depois da vossa e os seus tripulantes mal sentirão talvez o perigo de me defrontarem. Hei-de também vingar-me de quem primeiro me descobriu, Bartolomeu Dias, fazendo-o naufragar aqui mesmo e outras vinganças imprevistas executarei...
Era tão assustador o que ele dizia, que Gama o interrompeu e lhe perguntou quem ele era e por que estava assim tão zangado.
Ele respondeu:
- Eu sou aquele cabo a que chamam Tormentório, andei na luta contra o meu deus, Júpiter, fiz-me capitão do mar e conquistei as ondas do oceano. Apaixonei-me então por Tétis, princesa do mar filha de Neptuno. Mas como eu sou tão feio, ela nem me podia olhar... Determinei conquistá-la à força e mandei participar esta minha intenção. Esta fingiu aceitar o meu pedido de casamento... julguei certa noite vê-la e supus que vinha visitar-me e combinar as nossas bodas. Corri para ela como um doido e comecei a abraçá-la. Achei-me, no entanto, de repente abraçado a um duro monte, pois Tétis transformara-se em rocha feia e fria. Vendo um penedo a tocar a minha fronte, penedo me tornei também de desespero. Para redobrar as minhas mágoas, Tétis anda sempre me cercando, transformada em onda.
Assim contou a sua história o gigante Adamastor... E logo a nuvem negra se desfez e o mar bramiu ao longe.
Gama de novo rezou a Deus, pedindo-lhe que os guardasse dos perigos que o Adamastor anunciara.

Fonte
Curiosidades sobre o Adamastor

sexta-feira, 18 de maio de 2012

As Despedidas de Belém

Ideias importantes:

- Este episódio está inserido no Plano da Viagem.
- Os marinheiros portugueses partiram de Lisboa no dia 8 de Julho de 1497
- D. Manuel I primeiro incentiva os marinheiros oferecendo-lhes uma pequena renumeração
- D. Manuel I elogia os marinheiros, dando-lhes palavras de alento e de coragem
- Depois de preparadas as naus, os marinheiros preparam-se espiritualmente
- As pessoas que estão a assistir à partida sentem-se tristes, desesperadas, receosas e saudosas
- Os marinheiros também partem com dúvidas e receios
- Os marinheiros partem sem as despedidas habituais, para evitar maior sofrimento e para não haver desistências.
- (Estrofe 84) Estado de espírito: ansiosos, felizes
- (Estrofe 86) Preparação espiritual
- Objectivo da Viagem (estrofe 85): “Pera buscar do mundo novas partes”
- (Estrofe 87) Mostra que o narrador é Vasco da Gama e o receptor/ narratário é o Rei de Melinde
- (Estrofe 88) Reacção das pessoas à partida dos marinheiros
- (Estrofe 89) Descrição dos sentimentos (medo)
- (Estrofe 90) Discurso de uma mãe que vê o filho partir
- (Estrofe 91) Discurso de uma esposa que vê o marido partir
- (Estrofe 92) Reacção da Natureza (triste, comovida e chora)
- (Estrofe 93) Sofrimento é mais para quem fica mas, os marinheiros partem sem as despedidas habituais
- O narrador é participante e quanto à sua posição é autodiegético

Este episódio está divido em três partes:

1ª Parte (estrofe 83 à estrofe 86)

- Localização da acção no tempo e no espaço (Reinado de D. Manuel I; Lisboa)
- Preparação das naus
- Preparação espiritual dos marinheiros (oração e pedido de auxílio)

2ª Parte (estrofe 87 à estrofe 92)
- Descrição da procissão solene até às naus
- Reacções das pessoas que assitem à partida
- Reacções da Natureza à partida dos marinheiros

3ª Parte (estrofe 93)
- Partida para a Índia sem as despedidas habituais

Figuras de estilo

Estrofe
Nome da figura de Estilo
Exemplo
84
Perífrase
“Porque a gente marítima e a de Marte”
86
Perífrase
“ Que sempre as nautas ante os olhos anda/ Pera o sumo Poder, que a etérea Corte”
87
Anáfora
“ Que nas praias do mar está assentado,/ Que o nome tem da terra, pêra exemplo,”
87
Apóstrofe
“ Certifico-me, ó Rei, que, se contemplo”
89
Enumeração
“Mães, Esposas, Irmãs, que o temeroso”
90
Apóstrofe
“ Qual vai dizendo: - “ó Filho, a quem eu tinha”
90
Dupla Adjectivação
“ Que em choro acabará, penoso e amaro”
90
Anáfora
“ Porque me deixas, mísera e mesquinha?/ Porque de mim te vas, ó filho caro”
91
Apóstrofe/ Dupla Adjectivação
“ Qual em cabelo:”ó doce e amado esposo”
91
Aliteração
“Quereis que com as velas leve o vento?”
92
Personificação
“A branca areia as lágrimas banhavam,/ Que em multidão co elas se igualavam.”

FONTE

O episódio da Batalha de Aljubarrota

História de Portugal: a Batalha de Aljubarrota

A seguir à crise de 1383 – 1385, Vasco da Gama narra a Batalha de Aljubarrota ao rei de Melinde. Trata-se de um episódio bélico, no qual se destacam as figuras de Nuno Álvares Pereira, considerado uma das personagens mais corajosas da História de Portugal e de D. João I, mestre de Avis, que combatendo ao lado do exército, incita os soldados portugueses a lutarem contra os inimigos. É importante referir que o exército castelhano era quatro vezes maior que o português e que nesta batalha estava em causa a independência de Portugal.

A Batalha de Aljubarrota travou-se no dia 14 de Agosto de 1385, entre portugueses e castelhanos, e está inserida no conjunto de confrontos motivados pela luta da sucessão ao trono português.

Esta batalha foi um momento alto e importante na luta com Castela, pois desmoralizou o inimigo e aqueles que o apoiavam, e praticamente assegurou a continuidade da independência nacional.

Os Lusíadas (episódio da Batalha de Aljubarrota)
Batalha de Aljubarrota (est. 28 a 45)

Tema e divisão em partes:

O texto, cujo tema é a descrição da batalha de Aljubarrota, pode dividir-se em três partes lógicas. A primeira parte (28 e 29) constitui uma espécie de introdução, em que o poeta assinala o terrível efeito provocado, na natureza e nas pessoas, pelo espantoso sinal lançado pela trombeta castelhana para o começo da batalha. A segunda parte - desenvolvimento (de 30 a 42) é a descrição propriamen­te dita da batalha (entrecortada por um comentário emotivo do poeta na es­trofe 33), em que se realça a acção de Nuno Álvares (30, 34 e 35), o movimento terrificamente barulhento e confuso da refrega (31), a referên­cia aos irmãos de Nuno Álvares que lutavam do lado dos castelhanos e res­pectivo comentário do poeta (32 e 33), a acção de D. João I, que, como chefe e rei, a todos entusiasmava não só com palavras, mas também com o exemplo (entre as setas dos inimigos corro e vou primeiro).

Finalmente, a terceira e última parte – conclusão (43-45) apresenta-nos a desmoraliza­ção e fuga desastrosa dos castelhanos e a vitória eufórica dos portugueses.

Primeira parte – Introdução (est. 28 e 29)

Síntese

A trombeta castelhana dá o sinal para a guerra e este ecoa por toda a Península Ibérica, desde o Cabo Finisterra ao Guadiana, desde o Douro ao Alentejo. As mães apertam os filhos contra os peitos. Há rostos sem cor e o terror é grande, muitas vezes maior do que o próprio perigo. Durante o combate as pessoas, com o furor de vencer, esquecem-se do perigo e da possibilidade de ficarem feridas ou mesmo de perderem a própria vida.

Análise estilística das estrofes 28 e 29:

0 poeta realça logo o tremendo sinal de combate, dado pelos castelhanos, por meio dos adjectivos horrendo, fero, ingente, temeroso, som terríbil. Com o fim de realçar o efeito produzido por esse tremendo som da trombeta caste­lhana, há a personificação de seres da natureza física (o monte, os rios) que, eles próprios, tremeram frente a esse terrível sinal de guerra. Associada à personificação surge também a hipérbole: o Guadiana atrás tornou as ondas de medroso; correu ao mar o Tejo duvidoso. Como símbolo do medo e terror deste som da guerra aparece a ternura das mães, aos peitos os filhinhos aper­tando. O efeito deste sinal de guerra é ainda realçado pelos rostos macilentos (quantos rostos ali se vêem sem cor). Para realçar este pavor que precedeu a própria batalha, o poeta afirma, a jeito de conclusão, que nos perigos grandes, o temor é maior muitas vezes que o perigo.

Segunda parte – Desenvolvimento (est. 30 a 42)

Síntese

A guerra começa. Uns são movidos pela defesa da sua própria terra e outros pelo desejo de vitória. Os inimigos são muito numerosos, mas os portugueses defendem-se com bravura. D. Nuno Álvares Pereira destaca-se na luta. D. Diogo e D. Pedro Pereira, irmãos de Nuno Álvares Pereira, estão a combater contra ele, “(caso feio e cruel)” – no entanto, não tão grave como combater contra o rei e a pátria. No primeiro esquadrão há portugueses que renegaram a pátria e combatem contra seus irmãos. D. João I, sabendo que D. Nuno Álvares corria perigo, acudiu à linha da frente para apoiar os guerreiros com a sua presença e palavras de encorajamento e, com um único tiro, matou muitos adversários. Depois desta situação, os portugueses mais entusiasmados lutam sem recearem perder a vida. Muitos são feridos, muitos morrem, mas a bandeira castelhana é derrubada aos pés da lusitana.

Com a queda da bandeira castelhana, a batalha tornou-se ainda mais cruel. Sem forças para combaterem, os castelhanos começam a fugir e o rei de Castela vê-se derrotado e impedido de atingir o seu propósito.

Análise estilística da estrofe 31:

Na estrofe 31 note-se a expressividade dos adjectivos: espesso ar (a salientar que a própria atmosfera se mostrava de ar carregado), estridentes farpões, pés duros, ardentes cavalos, duras armas; a expressividade dos verbos: tiros voavam, treme a terra; vales soam, espedaçam-se as lanças, tudo atroam, re­crescem os inimigos. Há também a inversão da ordem das palavras (hipérbato), ao gosto clássico. Mas o que mais impressiona nesta estrofe é a admirável har­monia imitativa (onomatopaica) que existe entre o seu corpo fónico e o baru­lho da batalha. Como exemplo, aponte-se a frequência das sibilantes dos três primeiros versos e do 5º, sugerindo o sibilar das setas; as aliterações verificadas sobretudo nos versos 3º e 6º; a frequência dos rr, sobretudo no versos 2º, 4º e 6º, imitando o som ríspido e rude da refrega. Há ainda o ritmo próprio do verso heróico, com os acentos na sexta e décima sílabas, a alternância de ritmos (binário e ternário) e a frequência das oclusivas (p, t, d, b, c), tudo isto sugerindo, sobretudo nos quatro primeiros versos, o tropel dos cavalos. Observe-se, finalmente, o trocadilho nos dois últimos versos pouca e apouca.

Em poucos textos da nossa literatura o significante terá tanta importância como nesta estrofe 31, para dar visualidade e impressionismo à mensagem.

Aqui as palavras valem quase tanto pelo seu corpo fónico (significante) como pelo seu significado, na construção da mensagem. Veja-se como o corpo fónico das palavras sublinha o seu significado nestes dois versos, em que as aliterações e a sucessão de sibilantes se aliam ao encavalgamento, para sugerirem a catadupa estilhaçante de lanças e armas nas sucessivas quedas:

Espedaçam-se as lanças, e as frequentes
Quedas co as duras armas tudo atroam.

Intenção e efeito da estrofe 33:

Esta intervenção emocional do poeta, apostrofando célebres traidores da pátria, serve para, a jeito de coro na tragédia, pôr em evidência e comentar o caso feio e cruel de dois irmãos de Nuno Álvares se encontrarem do lado dos castelhanos, lutando contra a sua pátria e contra seu irmão. A descrição da batalha é um episódio essencialmente cavaleiresco, dominado do princípio ao fim pela bravura patriótica de Nuno Álvares. O facto de surgirem dois irmãos, como ele portugueses (esses renegados), lutando contra a pátria e contra o irmão, além de conferir maior dramatismo à descrição pelo que há de chocante em semelhante traição, vem realçar a figura impolutamente patriótica de Nuno Álvares. A descrição da batalha de Aljubarrota é-nos dada pelo poeta sobretudo como um quadro exaltador de Nuno Álvares.

Terceira parte – Conclusão (est. 43 a 45)

Síntese

Os castelhanos fogem vencidos e encobrem a dor das mortes, a mágoa, a desonra, maldizendo e blasfemando de quem inventou a guerra ou atribuindo a culpa à sede de poder e à cobiça. D. João I passa alguns dias no campo de batalha para comemorar e agradecer a Deus a vitória com ofertas e romarias, mas D. Nuno Álvares Pereira, que só quer ser recordado pelos feitos bélicos, desloca-se para o Alentejo.

FONTE

segunda-feira, 14 de maio de 2012

episódio de Inês de Castro

Episódio de Inês de Castro (canto III)

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Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana Terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha.

O rei Afonso voltou a Portugal, depois da vitória contra os mouros, esperando obter tanta glória na paz quanto obtivera na guerra. Então aconteceu o triste e memorável caso da desventurada que foi rainha depois de ser morta, assassinada.
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Tu, só tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.

O Amor, somente ele, foi quem causou a morte de Inês, como se ela fosse uma inimiga. Dizem que o Amor feroz, cruel, não se satisfaz com as lágrimas, com a tristeza, mas exige, como um deus severo e despótico, banhar seus altares (“aras”) em sangue humano: requer sacrifícios humanos.
A palavra "pérfido", na obra, geralmente se refere aos Mouros inimigos. Nesse verso, parece indicar que Inês foi morta com a mesma crueldade que se usava contra eles.
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Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

Inês estava em Coimbra, sossegada, usufruindo (“colhendo doce fruito”) da felicidade ilusória (“engano da alma, ledo e cego”) e breve (“Que a Fortuna não deixa durar muito”) da juventude. Nos campos, com os belos olhos úmidos de lágrimas de amor, repetia o nome do seu amado aos montes (para cima, para o alto) e às ervas (para baixo, para o chão).
As formas "fruito" e "enxuito" são variantes de “fruto” e “enxuto”. Durante muito tempo, enquanto a Língua Portuguesa se solidificava, essas variantes foram utilizadas simultaneamente. A Língua Portuguesa acabou por definir "fruto" e "enxuto" como a forma culta. Na época de Camões, palavras como despois, fruito, enxuito e escuito eram as mais usadas. Ele, então, prefere estas formas para se adequar à estrutura poética de Os Lusíadas - a oitava rima -, formada por versos decassílabos (heróicos ou sáficos), e respeitar o sistema rítmico dos versos - abababcc. Portanto, fruito (verso 2) e enxuito (verso 6) são as rimas cabíveis a muito (verso 4). Estas formas arcaicas ainda são utilizadas em muitas regiões.
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Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fermosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.

As lembranças do Príncipe respondiam-lhe, em pensamentos e em sonhos, quando ele estava longe. Isto é, a memória do amado fazia com que Inês conversasse com ele, quando este estava ausente. Ambos não se esqueciam um do outro e se “comunicavam” através da memória, em forma de pensamentos e sonhos. Assim, tudo quanto faziam ou viam os fazia felizes, porque lembravam dos respectivos amados.
Esta estrofe é bastante ambígua. As lembranças do Príncipe vinham à mente de Inês como resposta aos seus cuidados amorosos; por outro lado, as mesmas lembranças, agora de Inês, existiam (moravam) na alma do príncipe quando estava longe da amada. Os sonhos e os pensamentos dos versos 5 e 6, dois modos de lembranças, pertencem indistintamente ao amado e à amada. E o sujeito de cuidava e via, no verso 7, tanto pode ser ela quanto o Príncipe.
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De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,

O Príncipe se recusa a casar com outras mulheres (tálamo: casamento, leito conjugal) porque o amor despreza, rejeita tudo que não seja o rosto do amado (gesto significa rosto, semblante) a quem está sujeito. Ao ver este estranho amor, este comportamento estranho de não querer se casar, o pai sisudo (sério, grave) atende ao murmurar do povo e…
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Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo c’o sangue só da morte ladina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra hûa fraca dama delicada?

… decide matar Inês, para que o filho seja libertado do seu amor. O pai acredita que só o sangue da morte apagará o fogo do amor. Que fúria foi essa que fez com que a espada cortante que afrontara o poder dos Mouros fosse levantada contra uma frágil e indefesa mulher?
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Traziam-na os horríficos algozes
Ante o Rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saudade
Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,

Quando os horríveis e cruéis carrascos trouxeram Inês perante o rei, este já estava compadecido (com dó) e arrependido. No entanto, o povo persuadia, incitava o rei a matá-la. Inês, então, com palavras ou com a voz triste, sentindo mais pela dor e saudade do príncipe e dos filhos do que pela própria morte…
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Pera o céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E despois, nos mininos atentando,
Que tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja orfindade como mãe temia,
Pera o avô cruel assi dizia: 

Levantando os olhos cheios de lágrimas ao céu (somente os olhos, porque um carrasco prendia-lhe as mãos) e, depois, olhando para as crianças - que amava tanto e temia que ficassem órfãs -, disse para o avô cruel (o rei):
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Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aéreas tem o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piedoso sentimento
Como c’o a mãe de Nino já mostraram,
E c’os irmãos que Roma edificaram:

“Se já vimos que até os animais selvagens, cujos instintos são cruéis, e as aves de rapina têm piedade com as crianças, como demostraram as histórias da mãe de Nino e a dos fundadores de Roma…”
Semíramis, rainha da Assíria e mãe de Nino, a abandonara num monte. Nino foi alimentada por aves de rapina. Rômulo e Remo, fundadores de Roma, foram abandonados quando infantes e amamentados por uma loba.
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Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar hûa donzela,
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.

Sendo assim, ele, o rei, que tinha o rosto e o coração humanos (se é que é humano matar uma mulher só porque esta ama um homem que a conquistou), poderia ao menos ter respeito e consideração às crianças, ainda que não se importasse com a triste morte da mãe. Inês suplica, então, que o rei se compadeça dela e das crianças, já que não queria perdoá-la ou absolvê-la de uma culpa, um crime, que não tinha cometido.
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E se, vencendo a Maura resistência,
A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe também dar vida, com clemência,
A quem peja perdê-la não fez erro.
Mas, se to assi merece esta inocência,
Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,
Onde em lágrimas viva eternamente.

E se o rei sabia dar a morte, como o mostrara ao vencer os Mouros, também saberia dar a vida a quem era inocente. Mas, se apesar da sua inocência, ainda a quisesse castigar, que a desterrasse, expulsasse, para uma região gelada ou tórrida, para sempre.
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Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.
Ali, c’o amor intrínseco e vontade
Naquele por quem mouro, criarei
Estas relíquias suas que aqui viste,
Que refrigério sejam da mãe triste.)

Que ele a colocasse entre as feras, onde poderia encontrar a piedade que não achara entre os homens. Ali, por amor daquele por quem morria ou sofria, criaria os filhos, que era recordações do pai e seriam consolação da mãe.
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Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra hûa dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais e cavaleiros?

O rei bondoso queria perdoar Inês, comovido por suas palavras. Mas o povo obstinado, persistente e o destino de Inês (que assim o quis) não lhe perdoaram. Os que proclamavam que ela deveria morrer puxam suas espadas. Mostram-se valentes atacando uma dama.
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Qual contra a linda moça Policena,
Consolação extrema da mãe velha,
Porque a sombra de Aquiles a condena,
C’o ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas ela, os olhos, com que o ar serena
(Bem como paciente e mansa ovelha),
Na mísera mãe postos, que endoudece,
Ao duro sacrifício se oferece:

Assim como Pirro se prepara com a espada (“ferro”) para matar Policena, por ordem do fantasma de Aquiles, e ela - mansa e serenamente -, movendo os olhos para a mãe, enlouquecida de dor, oferece-se ao sacrifício…
Aquiles, herói da guerra de Tróia, era invulnerável por ter sido submergido, logo ao nascer, na água da lagoa Estígia (Lagoa da Morte). Personagem da Ilíada de Homero, morreu durante a guerra de Tróia, quando foi atingido por uma seta no calcanhar, o único ponto vulnerável do seu corpo. Pirro, filho de Aquiles, teria sido aconselhado pelo fantasma (“sombra”) do pai a matar Policena, noiva do herói morto. Matou-a quando esta se encontrava sobre o túmulo de Aquiles.
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Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
As espadas banhando e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, fervidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.

Do mesmo modo agem os cruéis assassinos de Inês. No pescoço (“colo”) que sustenta o belo rosto (“as obras”: o sorriso, o olhar, os movimentos do rosto) pelo qual se apaixonou (o deus Amor, Cupido, fez morrer de paixão) o príncipe, que depois a fará rainha, eles (os matadores) banham, lavam suas espadas e também as faces pálidas (“brancas flores”) e molhadas de lágrimas de Inês; atacavam enraivecidos, sem pensarem no castigo que o futuro lhes reservava.
Camões supõe que Inês foi degolada, como Policena oferecendo o pescoço ao golpe, e o sangue escorreu sobre seu rosto.
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Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
Quando os filhos por mão de Atreu comia!
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes.

Naquele dia, o sol deveria ter-se escondido, como fizera quando Tiestes comeu os próprios filhos em um banquete servido por Atreu, para não ver o terrível crime. A última palavra de Inês - o nome de Pedro, o príncipe - ecoou longa e repetidamente através da região.
Camões iguala a crueldade da morte de Inês à da história de Atreu e Tiestes. Tiestes era filho de Pélops e irmão de Atreu. Seduziu a esposa do irmão. Atreu deu a comer a Tiestes os filhos que nasceram daquela união.
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 Assi como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lascivas maltratada
Da minina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas e perdida
A branca e viva cor, co a doce vida.

Como uma flor colhida precocemente pelas mãos travessas (“lascivas”) de uma menina para colocá-la numa grinalda (“capela”), assim está Inês, sem perfume e sem cor. Morta, pálida, com as faces (“do rosto as rosas”) secas, murchas, sem rubor. O padrão de beleza feminino era uma combinação de branco na testa, colo, etc. (“branca e viva cor” ) e vermelho (“viva cor”) nas “rosas” do rosto.
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 As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores.

As ninfas do Mondego (rio de Portugal), durante muito tempo, lembraram chorando a morte de Inês. E, para sua memória eterna, as lágrimas transformaram-se numa fonte chamada “dos amores de Inês”, acontecidos ali. A fonte que rega as flores é refrescante porque é feita de lágrimas e de amores.

Fonte

Consílio dos Deuses

CONSÍLIO DOS DEUSES 

            Neste belo episódio, Camões destaca o valor dos portugueses, relatando-nos um episódio mitológico, no qual os deuses do Olimpo (deuses da mitologia romana) se reunem em "consílio glorioso" para decidir sobre o destino dos portugueses no Oriente. Não estava em causa a chegada dos portugueses ao Oriente, pois essa já tinha sido determinada pelo destino, tratava-se, sim, de decidir se os deuses ajudariam ou não os portugueses a chegar rapidamente e de um modo seguro à Índia.

            Júpiter, o pai dos deuses, serve-se de Mercúrio, o deus mensageiro, para convocar todos os deuses que vão chegando de todas as partes do planeta. Os deuses sentam-se segundo a hierarquia que dá mais importância aos deuses mais antigos.
            Quando todos os deuses estão sentados nos seus "luzentes assentos", Júpiter inicia o seu discurso, começando por lembrar a todos os deuses que os portugueses eram um povo guerreiro e corajoso que já tinham conquistado o país aos mouros e vencido por diversas vezes os temidos castelhanos. Refere, ainda, as antigas vitórias de Viriato, chefe lusitano, frente aos romanos e, termina o seu discurso, chamando a atenção dos deuses para os presentes feitos dos portugueses que corajosamente, lutando contra tantas adversidades, empreendiam importantes viagens pelo mundo e que, por isso, mereceriam ser ajudados na passagem pela costa africana.

            Baco, o deus do vinho, insurge-se de imediato contra os portugueses, pois sentia uma enorme inveja pela imensa glória que o destino lhes reservava. Na Índia prestava-se culto a Baco, e o invejoso deus temia que os seus seguidores rapidamente o esquecessem com a chegada dos portugueses.

            Vénus, a deusa da beleza e do amor, intervem em seguida, e apoia os portugueses, povo com o qual simpatiza por lhe fazer lembrar os romanos, quer pela língua, semelhante ao latim, quer pela coragem que demonstravam e pelas importantes conquistas que realizaram.

            Após as intervenções de Baco e de Vénus, todos os deuses se lançam numa feroz discussão comparada pelo poeta a uma temível tempestade, até que Marte, o deus da guerra, toma a palavra, e, dirigindo-se a Júpiter, relembra-lhe que era a ele, Júpiter, o pai dos deuses, que cabia a decisão, que, aliás, já estava tomada desde o início e, sublinha ainda, que não se devia dar ouvidos a Baco pois não passava de um invejoso. Marte simpatizava naturalmente com os portugueses por serem um povo guerreiro e também para agradar a Vénus com quem tinha tido no passado uma relação amorosa.
            Após ouvir as palavras de Baco, Júpiter inclinou a cabeça em sinal de consentimento, e desfez a reunião, tendo sido então tomada a decisão de ajudar os portugueses na sua viagem para a Índia.

terça-feira, 8 de maio de 2012

sobre as Proposição, Invocação e Dedicatória n'Os Lusíadas


Proposição:

            Na proposição, o poeta pretende exaltar:

            - “As armas e os barões assinalados”, ou seja, todos aqueles homens cheios de coragem que descobriram, “por mares nunca dantes navegados”, novas terras, indo mais longe do que aquilo que alguém podia esperar de seres não divinos, “Mais do que prometia a força humana”.

            - “Daqueles Reis que foram dilatando”, ou seja, os reis que contribuíram para que a fé cristã se espalhasse por terras que foram sendo descobertas, alargando assim o Império Português.

            - “E aqueles que por obras valerosas”, ou seja, todos os que são dignos de serem recordados pelos feitos heróicos cometidos em favor da pátria e que, por isso, nem mesmo a morte os pode votar ao esquecimento, “Se vão da lei da Morte libertando” pois foram imortalizados.

            Para tal compara os feitos dos portugueses aos de Ulisses, herói da Odisseia de Homero e aos de Eneias, o troiano que, na Eneida de Virgílio, chegou ao Lácio e fundou Roma.

            A proposição funciona como uma apresentação geral da obra, é uma síntese daquilo que o poeta se propõe fazer. Propor significa precisamente apresentar, expor, anunciar, mostrar. O poeta mostra aquilo que pretende ao escrever a epopeia: “Cantando espalharei por toda a parte”. O verbo cantar tem aqui o sinónimo de exaltar, enaltecer ou celebrar, através da poesia,

            se tiver talento para isso, tornarei conhecidos em todo o mundo

            os homens ilustres que fundaram o império português do Oriente

            os reis, de D. João I a D. Manuel, que expandiram a fé cristã e o império português

            todos os portugueses dignos de admiração pelos seus feitos.



Invocação

            Invocar significa apelar, pedir, suplicar.

            Nestas estrofes, Camões dirige-se às Tágides, as ninfas do Tejo, pedindo-lhes que o ajudem a cantar os feitos dos portugueses de uma forma sublime: “Dai-me agora um som alto e sublimado, / Um estilo grandíloco e corrente,” Tratando-se de um pedido, a Invocação assume a forma de discurso persuasivo, onde predomina a função apelativa da linguagem e as marcas características desse tipo de discurso – o vocativo e os verbos no modo imperativo - determinam a estruturado texto:

"E vós, Tágides minhas, (...) Dai-me (...) Dai-me (...)"

            Apóstrofe: A apóstrofe consiste na interpelação ou invocação de alguém ou de alguma coisa personificada, por meio de um vocativo. Repara: para invocar as ninfas, Camões utiliza o vocativo: "E vós, Tágides minhas, (...) Dai-me (...) Dai-me (...)"

            O vocativo pode estar presente numa frase quando se pretende chamar ou invocar alguém, utilizando-se para isso um nome ou expressão equivalente. O vocativo na frase é móvel, pois pode surgir no princípio, no meio ou no fim, mas está destacado por vírgulas.

            Anáfora: A Anáfora é uma figura de estilo que consiste em repetir a mesma palavra no princípio de várias frases ou versos. A forma verbal “Dai-me” (modo imperativo) surge repetida três vezes no início do verso: trata-se da figura de estilo anáfora.



Dedicatória

            A dedicatória é uma parte facultativa da estrutura da epopeia. Camões inclui-a n’Os Lusíadas ao dedicar a sua obra ao rei D. Sebastião. Nessa altura, D. Sebastião era ainda muito jovem e por isso era visto como a esperança da pátria portuguesa na continuação da difusão da fé e do império. D. Sebastião, rei de Portugal de 1568 a 1578, foi o penúltimo rei antes do domínio espanhol (1580-1640). O seu prematuro desaparecimento numa manhã de nevoeiro na batalha de Alcácer Quibir deu origem ao mito sebastianista, um sentimento muito português, que nasceu de uma lenda e que tem povoado o imaginário colectivo do nosso povo, ao longo dos séculos. A lenda sebastianista continua envolta numa rede de incertezas e mitos. Realmente, não é incontestável afirmar que D. Sebastião morreu na batalha de Alcácer Quibir, a 4 de Agosto de 1578, ainda que essa seja a versão mais pacífica. O médico Mário Saraiva, por exemplo, publicou um estudo intitulado Dom Sebastião - Na História e na Lenda, no qual advoga que o rei não morreu nessa data, apoiando-se em documentos, nos quais se vêem escritas frases como esta: «Era um facto que ninguém vira morrer o rei». De acordo com a investigação de Mário Saraiva, D. Sebastião foi batalhar em Alcácer Quibir por ter sido vítima de uma cilada por parte de Espanha, no fito de levarem o jovem rei à morte, o que abriria caminho à dominação filipina em Portugal, a qual acabou por se concretizar. Segundo Mário Saraiva, a corte filipina chegou a intervir no sentido de os portugueses perderem a batalha de Alcácer Quibir, tentando matar D. Sebastião quando este pelejava em Marrocos. A cilada montada por Espanha não resultou e o rei refugiou-se num ermitério, após a batalha. Quando se apercebeu que tinha sido destronado, apelou ao Vaticano e fugiu para Vicenza, de onde foi expulso em 16 de Dezembro de 1600. Posteriormente, alojou-se em Nápoles, onde foi acolhido pelo conde de Lemos. De acordo com a investigação de Mário Saraiva, a prova está numa directiva do Papa Urbano VIII, de 20 de Outubro de 1630, onde se pode ler: «Fazemos saber que por parte do nosso filho D. Sebastião, rei de Portugal, nos foram apresentadas pessoalmente no Castelo de Santo Ângelo duas sentenças de Clemente VIII e Paulo V, nossos antecessores (...), em que constava estar justificado largamente ser o próprio rei e nesta conformidade estava sentenciado para lhe largar (o trono) Filipe III, rei de Espanha, ao que (este) não quis nunca satisfazer, pedindo-nos agora (que) tornássemos a examinar os processos (...)» Sem dúvida uma versão fascinante, que vem pôr em causa as teses que até agora vigoraram.

            Metáfora: O elogio ao rei está presente em toda a dedicatória, mas é desde logo visível nas primeiras três estrofes, salientando-se as várias metáforas, nomeadamente: “Vós, tenro e novo ramo florescente”, que realça a jovialidade do rei. A metáfora é um recurso estilístico que permite estabelecer uma relação de semelhança sem o uso de elementos específicos de comparação (“como”, “equivalente”, “parecido”, “semelhante”, “igual”).

            Aposto: O aposto é uma expressão que vem imediatamente a seguir a outra, normalmente entre vírgulas e que surge como uma caracterização ou explicação complementar. A expressão “poderoso rei” exerce a função de aposto, pois surge a seguir ao pronome “Vós”, adicionando-lhe uma informação que o torna mais completo.

            Sinédoque: Na caracterização de D. Sebastião, o poeta usa frequentemente a sinédoque – figura de estilo em que se troca a palavra que indica o todo de um ser por outra que indica apenas uma parte dele: “Vós, ó novo temor da Maura lança,” Embora só se refira à lança, o poeta pretende designar todo o exército de mouros.

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