História de
Portugal: a Batalha de Aljubarrota
A seguir à
crise de 1383 – 1385, Vasco da Gama narra a Batalha de Aljubarrota ao rei
de Melinde. Trata-se de um episódio bélico, no qual se destacam as
figuras de Nuno Álvares Pereira, considerado uma das personagens mais
corajosas da História de Portugal e de D. João I, mestre de Avis, que
combatendo ao lado do exército, incita os soldados portugueses a lutarem contra
os inimigos. É importante referir que o exército castelhano era quatro vezes
maior que o português e que nesta batalha estava em causa a independência de
Portugal.
A Batalha
de Aljubarrota travou-se no dia 14 de Agosto de 1385, entre
portugueses e castelhanos, e está inserida no conjunto de confrontos
motivados pela luta da sucessão ao trono português.
Esta batalha
foi um momento alto e importante na luta com Castela, pois desmoralizou o
inimigo e aqueles que o apoiavam, e praticamente assegurou a continuidade da
independência nacional.
Os Lusíadas (episódio da
Batalha de Aljubarrota)
Batalha de
Aljubarrota (est. 28 a 45)
Tema e divisão em
partes:
O texto, cujo tema é a descrição da batalha de
Aljubarrota, pode dividir-se em três partes lógicas. A primeira parte (28
e 29) constitui uma espécie de introdução, em que o poeta assinala o
terrível efeito provocado, na natureza e nas pessoas, pelo espantoso sinal
lançado pela trombeta castelhana para o começo da batalha. A segunda parte -
desenvolvimento (de 30 a 42) é a descrição propriamente dita da
batalha (entrecortada por um comentário emotivo do poeta na estrofe 33), em
que se realça a acção de Nuno Álvares (30, 34 e 35), o movimento terrificamente
barulhento e confuso da refrega (31), a referência aos irmãos de Nuno Álvares
que lutavam do lado dos castelhanos e respectivo comentário do poeta (32 e 33),
a acção de D. João I, que, como chefe e rei, a todos entusiasmava não só com
palavras, mas também com o exemplo (entre as setas dos inimigos corro e vou
primeiro).
Finalmente, a terceira e última
parte – conclusão (43-45) apresenta-nos a desmoralização e fuga
desastrosa dos castelhanos e a vitória eufórica dos portugueses.
Primeira parte – Introdução (est.
28 e 29)
Síntese
A trombeta castelhana dá o sinal
para a guerra e este ecoa por toda a Península Ibérica, desde o Cabo Finisterra
ao Guadiana, desde o Douro ao Alentejo. As mães apertam os filhos contra os
peitos. Há rostos sem cor e o terror é grande, muitas vezes maior do que o
próprio perigo. Durante o combate as pessoas, com o furor de vencer, esquecem-se
do perigo e da possibilidade de ficarem feridas ou mesmo de perderem a própria
vida.
Análise estilística das estrofes 28 e
29:
0 poeta realça logo o tremendo sinal de combate, dado pelos castelhanos, por meio dos adjectivos horrendo, fero, ingente, temeroso, som terríbil. Com o fim de realçar o efeito produzido por esse tremendo som da trombeta castelhana, há a personificação de seres da natureza física (o monte, os rios) que, eles próprios, tremeram frente a esse terrível sinal de guerra. Associada à personificação surge também a hipérbole: o Guadiana atrás tornou as ondas de medroso; correu ao mar o Tejo duvidoso. Como símbolo do medo e terror deste som da guerra aparece a ternura das mães, aos peitos os filhinhos apertando. O efeito deste sinal de guerra é ainda realçado pelos rostos macilentos (quantos rostos ali se vêem sem cor). Para realçar este pavor que precedeu a própria batalha, o poeta afirma, a jeito de conclusão, que nos perigos grandes, o temor é maior muitas vezes que o perigo.
Segunda parte – Desenvolvimento
(est. 30 a 42)
Síntese
A guerra começa. Uns são movidos
pela defesa da sua própria terra e outros pelo desejo de vitória. Os inimigos
são muito numerosos, mas os portugueses defendem-se com bravura. D. Nuno
Álvares Pereira destaca-se na luta. D. Diogo e D. Pedro
Pereira, irmãos de Nuno Álvares Pereira, estão a combater contra ele, “(caso
feio e cruel)” – no entanto, não tão grave como combater contra o rei e a
pátria. No primeiro esquadrão há portugueses que renegaram a pátria e combatem
contra seus irmãos. D. João I, sabendo que D. Nuno Álvares corria perigo,
acudiu à linha da frente para apoiar os guerreiros com a sua presença e palavras
de encorajamento e, com um único tiro, matou muitos adversários. Depois desta
situação, os portugueses mais entusiasmados lutam sem recearem perder a vida.
Muitos são feridos, muitos morrem, mas a bandeira castelhana é derrubada aos pés
da lusitana.
Com a queda da bandeira castelhana, a
batalha tornou-se ainda mais cruel. Sem forças para combaterem, os
castelhanos começam a fugir e o rei de Castela vê-se derrotado e impedido
de atingir o seu propósito.
Análise estilística da estrofe
31:
Na estrofe 31 note-se a expressividade dos
adjectivos: espesso ar (a salientar que a própria atmosfera se mostrava
de ar carregado), estridentes farpões, pés duros, ardentes
cavalos, duras armas; a expressividade dos verbos: tiros voavam,
treme a terra; vales soam, espedaçam-se as lanças, tudo atroam,
recrescem os inimigos. Há também a inversão da ordem das palavras
(hipérbato), ao gosto clássico. Mas o que mais impressiona nesta estrofe é a
admirável harmonia imitativa (onomatopaica) que existe entre o seu corpo fónico
e o barulho da batalha. Como exemplo, aponte-se a frequência das sibilantes dos
três primeiros versos e do 5º, sugerindo o sibilar das setas; as aliterações
verificadas sobretudo nos versos 3º e 6º; a frequência dos rr,
sobretudo no versos 2º, 4º e 6º, imitando o som ríspido e rude da
refrega. Há ainda o ritmo próprio do verso heróico, com os acentos na sexta e
décima sílabas, a alternância de ritmos (binário e ternário) e a frequência das
oclusivas (p, t, d, b, c), tudo isto sugerindo, sobretudo nos quatro primeiros
versos, o tropel dos cavalos. Observe-se, finalmente, o trocadilho nos dois
últimos versos pouca e apouca.
Em poucos textos da nossa literatura o
significante terá tanta importância como nesta estrofe 31, para dar visualidade
e impressionismo à mensagem.
Aqui as palavras valem quase tanto pelo seu corpo fónico
(significante) como pelo seu significado, na construção da mensagem. Veja-se
como o corpo fónico das palavras sublinha o seu significado nestes dois versos,
em que as aliterações e a sucessão
de sibilantes se aliam ao
encavalgamento, para sugerirem a catadupa estilhaçante de lanças e armas nas
sucessivas quedas:
Espedaçam-se as lanças, e as
frequentes
Quedas co
as duras armas tudo atroam.
Intenção e efeito da estrofe
33:
Esta intervenção emocional
do poeta, apostrofando célebres traidores da pátria, serve para, a jeito de coro
na tragédia, pôr em evidência e comentar o caso feio e cruel de dois irmãos de
Nuno Álvares se encontrarem do lado dos castelhanos, lutando contra a sua pátria
e contra seu irmão. A descrição da batalha é um episódio essencialmente
cavaleiresco, dominado do princípio ao fim pela bravura patriótica de Nuno
Álvares. O facto de surgirem dois irmãos, como ele portugueses (esses
renegados), lutando contra a pátria e contra o irmão, além de conferir maior
dramatismo à descrição pelo que há de chocante em semelhante traição, vem
realçar a figura impolutamente patriótica de Nuno Álvares. A descrição da
batalha de Aljubarrota é-nos dada pelo poeta sobretudo como um quadro exaltador
de Nuno Álvares.
Terceira parte –
Conclusão (est. 43 a 45)
Síntese
Os castelhanos fogem vencidos e encobrem a dor das
mortes, a mágoa, a desonra, maldizendo e blasfemando de quem inventou a guerra
ou atribuindo a culpa à sede de poder e à cobiça. D. João I passa alguns
dias no campo de batalha para comemorar e agradecer a Deus a vitória com ofertas
e romarias, mas D. Nuno Álvares Pereira, que só quer ser recordado pelos
feitos bélicos, desloca-se para o Alentejo.
FONTE
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